Crimes de roubo e furto praticados dentro de ônibus coletivos, quem deve indenizar?
Responsabilidade civil da empresas permissionárias de transporte.
Resumo: Este artigo tem por finalidade a análise da responsabilidade civil em casos de crimes roubo e furto praticados contra passageiros durante a utilização de ônibus coletivos e a responsabilidade civil das permissionárias na ocorrência destes delitos durante o percurso, qual a responsabilidade destas empresas que prestam serviço essencial ao cidadão e cumprem o dever do Estado até em que ponto podem ser obrigadas a indenizar.
Introdução
Infelizmente, com o desenvolvimento social e econômicos das cidades várias patologias sociais se tornam cada vez mais constantes na vida do cidadão e o Estado cumpre suas obrigações em sua maioria de maneira muito precária e ineficaz. Dentre as patologias mais crescentes são os crimes contra o patrimônio dentre e eles furto e roubo.
Em pesquisa realizada pela Mobilidade Urbana em São Paulo em 2013, apontou que maioria dos paulistanos 61% trocaria uso do carro pelo ônibus coletivo, sendo que o número de usuários nesta megalópole é em media 2,5 milhões de usuários por dia isso conforme pesquisa realizada no ano de 2012, sendo contar as demais cidades do pais sendo a principal reclamação de todos os usuários deste transporte a segurança e qualidade do serviço, ressaltasse que essas duas reclamações andam de mãos dadas para o vale de deficiência estatal.
Não obstante a precariedade do serviço prestado pelas permissionárias, os usuários são vítimas de constantes roubos e furtos dentro dos coletivos sendo muitos usuários vitimados nestas ações, Rio de Janeiro apontou em 2011, 19 casos de roubo a coletivos por dia, chegando até ser tema de reportagem sagaz da Super interessante edição 276 Como não se dar mal em um assalto a ônibus? E neste enredo dantesco o usuário que é obrigado a fazer uso do transporte coletivo se vê refém da situação pois não tem condições de utilizar veículo particular e somente tem aquela linha de ônibus. As permissionarias quando acionadas judicialmente alegam caso fortuito externo, e o Estado nada faz para sanar esse tipo de pratica, em função desta problemática que faz necessário está analise para descriminar o dever de indenizar nestas situações.
Distinções entre os crimes de roubo e furto
Antes de adentrar na matéria propriamente dita faz se necessário algumas digressões sobre esses dois crimes contra o patrimônio o furto e o roubo, amplamente confundidos por maior parte da população. O furto simples consiste na apropriação de coisa alheia sem violência física ou grave ameaça estando definido no artigo 155 º do Código Penal, consumando se com a subtração da coisa em consequência a posse. Basta portanto animus de subtrair a coisa de forma que a posse direta ou indireta seja atribuída a ela sem qualquer previsão expressa de lapso temporal.
Carlos Cezar Bitencourt afirma três correntes: a) para ocorrer consumação, basta o deslocamento da coisa; b) para ocorrer consumação, é preciso que a coisa seja afastada da esfera de vigilância da vítima; c) para ocorrer consumação, necessária se faz a posse mansa e tranquila, mesmo que momentânea, da coisa[1]. Entendemos com a máxima vênia que o crime se consuma no momento que a agente passa a deter a coisa, pois neste caso invertesse o ânimo da detenção do bem.
No entanto não se exclui a possibilidade de tentativa, por se tratar de crime material sendo mero resultado naturalístico a subtração para consumação. Toma outro viés quando analisamos situação onde incide erro de tipo –excludente de culpabilidade. Mas especificamente erro de tipo essencial incriminador, agente subtrai coisa pertencente a outrem pensando que a coisa era própria, a solução é dada pelo Artigo 20 do CP e § 1, se erro poderia ser cometido por qualquer pessoa Ex: A vai a uma casa noturna e deixa sua bolsa preta no carro de seu colega B que também possui bolsa similar em todas as características, ao ir embora leva a bolsa de B invés da sua por engano neste caso não respondera por delito algum pois este erro é escusável qualquer um em seu lugar poderia cometer esse erro sendo diligente, como no furto não há previsão legal da modalidade culposa não responderá por crime algum.
Outro ponto importante a ser destacado, é o furto de coisas ínfimas de pequeno valor econômico. Algumas situações a aplicação de uma excludente de tipicidade material Princípio da Insignificância ou Bagatela, esse princípio pois três qualificadores de aplicação; (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Este princípio visa evitar movimentação da máquina penal com situações de furtos pequenos como caso de forte de guarda-chuva e saco de cimento, entretanto esse princípio é usada como paradigma ao patrimônio do ofendido, é valor do patrimônio da vítima que irá delimitar o alcance deste principio;
STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no Resp. 1377789 MG 2013/0127099-0 (STJ)
Data de publicação: 21/10/2014
Ementa: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DIMINUTO VALOR. RESTITUIÇÃO À VÍTIMA. PREPONDERÂNCIA SOBRE A REITERAÇÃO DELITIVA. AGRAVO PROVIDO. 1. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A reiteração delitiva tem sido compreendida como obstáculo inicial à tese da insignificância, ressalvada excepcional peculiaridade do caso penal. 3. Em razão da coisa que se tentou furtar (dois cosméticos), seu diminuto valor (R$ 8,38 - oito reais e trinta e oito centavos), com restituição à vítima, estabelecimento comercial, admite-se a insignificância, excepcionando-se a condição de reiteração delitiva do agente. 4. Agravo regimental provido. Recurso especial a que se nega provimento.
Encontrado em: /10/2014 - 21/10/2014 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - FURTO STJ - HC 237720-SP AGRAVO REGIMENTAL
Já o outro delito, roubo, subtrair coisa móvel alheiapara si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violênciaa pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência, conforme se depreende da leiturado caput artigo 157 CP. Vale destacar que o roubo é um crime complexo, sendo inserido ameaça, furto como elementos constitutivos, além disso trata se de um delito pluriofensivo, ou seja, provoca lesão a mais de um bem jurídico o patrimônio e a liberdade individual da vitima.
O caput do artigo 157, traz a figura do roubo próprio pode ser cometido pela violência própria tanto física, sendo cometido por meios violentos vis corporalis, consistindo ofensa a integridade física ou saúde de outrem, violência moral sendo dita a grave ameaça de causar o mau injusto violência impropria presumida. Outra distinção importante a ser destacada é o aspecto consumativo sendo a inversão da posse com emprego de violência física. O STJ firmou este entendimento no julgado Resp.:
"Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada."
Nota se portanto, que a violência predominante no crime de roubo o que já não ocorre no delito de furto.
Permissionárias e sua responsabilidade caso de crimes de roubo e furto
Em linhas singelas a permissão de serviço público é descrito como contrato de cunho administrativo por meio do qual o Poder Público denominado permitente transferindo ao particular nomeado permissionário a execução de determinado serviço público sendo observadas as condições fixadas nas normas de direito pública nesta temática Justen Filho; “permissão é o ato administrativo de delegação da prestação de serviço público a particular, sem a imposição de deveres de investimento amortizáveis em prazo mínimo de tempo”[2].
Conforme valiosas lições de Hely Lopes Meirelles, “é o ato administrativo negocial, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público faculta ao particular a execução de serviços de interesse coletivo, ou o uso especial de bens públicos, a título gratuito ou remunerado, nas condições estabelecidas pela Administração[3]”
A prestação de serviço público é delegada ao permissionária que a executa que cobra a prestação do serviço do usuário através de tarifa, sendo principal fonte de arrecadação do permissionário.
A responsabilidade civil para permissionário aplicasse o disposto no artigo 37, § 6º da Constituição Federal que fica responsabilidade objetiva no que concerne a reparação de danos causados: “Havendo dano em decorrência do serviço, portanto, o permissionário tem a obrigação de repará-lo independentemente da perquirição do elemento culpa por parte de seu agente[4]”. Isso por que o poder constituinte originário equiparou o permissionário ao ente estatal, configuram se verdadeiros longa manus do Estado.
A responsabilidade objetiva portanto, sendo necessário a comprovação de dolo sendo a culpa elemento desnecessário, importante destacar que o ente estatal permitente responde subsidiariamente pelos atos da permissionária conforme entendimento jurisprudêncial:
“Ementa: Processual Civil e Administrativo. Ofensa ao Art. 535 do CPC não configurada. Cartório Não Oficializado. Atividade Delegada. Art. 22 da Lei 8.935/1994. Responsabilidade Objetiva do Tabelião e Subsidiária do Estado. Desnecessidade de Denunciação à Lide. Dano Moral. Súmula 7/STJ. Divergência Jurisprudencial. Súmula 83/STJ. […] 3. O exercício de atividade notarial delegada (art. 236, § 1º, da Constituição) deve se dar por conta e risco do delegatário, nos moldes do regime das concessões e permissões de serviço público. 4. Conforme decidido pela Segunda Turma no julgamento do Recurso Especial 1.087.862/AM, em caso de danos resultantes de atividade estatal delegada pelo Poder Público, há responsabilidade objetiva do notário, nos termos do art. 22 da Lei 8.935/1994, e apenas subsidiária do ente estatal. Precedentes do STJ. 5. O Código de Defesa do Consumidor aplica-se à atividade notarial. 6. Em se tratando de atividade notarial e de registro exercida por delegação, tal como in casu, a responsabilidade objetiva por danos é do notário, diferentemente do que ocorre quando se tratar de cartório ainda oficializado. Precedente do STF. […]” (Superior Tribuna: Ministro Herman Benjamin/Julgado em 01.06.2010/ Publicado no DJe em 01.07.2010)
Entretanto, boa parte dos tribunais reconhecem a situações de furto e roubo em transporte coletivos como caso fortuito externo, que se qualifica nas lições de Pablo Stolze como situações há uma elemento estranho dentro do processo de elaboração do produto e execução do serviço excluindo com isso o dever de indenizar. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento que essas situações de assaltos a coletivos são situações de caso fortuito externo excluindo a responsabilidade do transportador:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAL. ASSALTO À MÃO ARMADA NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA.
A Segunda Seção desta Corte já proclamou o entendimento de que o fato inteiramente estranho ao transporte em si (assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo) constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora.
Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 726.371/RJ , Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 05/02/2007)
No entanto, a entendimento nos tribunais inferiores que se a sucessivos assaltos e furtos na mesma linha da oportunidade de haver previsibilidade sendo do transportador a obrigação de indenizar.
Com a máxima vênia, mesmo sendo o permissionário possuidor de parcela de poder estatal não a exclui dessas ocorrências no caso do furto a situações de ônibus coletivos com número de pessoas acima da lotação, facilitando a atividade de criminosos e a empresa sabe da constante ocorrência de delitos desta natureza deve ela adotar medidas a impedir resultado danoso, já que o código civil estabeleceu que responsabilidade do contrato de transporte é objetiva o nexo de imputação normativa sobrepõe o nexo de causalidade natural.
Já em situações de assalto a linhas a responsabilidade pode ser atribuída ao Estado uma vez que detém o poder organizar e manter a ordem, sendo a segurança pública uma de suas obrigações constitucionais estabelecidas, não pode olvidar de enfrentar essa problemática deixando o cidadão com o risco do uso do serviço público.
Conclusão
Conclui se portanto que a responsabilidade civil as permissionárias pode ser administrada e dosada caso a caso, podendo ser atribuída em situações de previsibilidade advinda da reincidência e nesta seara o Estado tem o dever de indenizar o usuário em função do contrato chamado Constituição Federal
[1] 05 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 16
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed., rev. E atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, p. 781
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1997 p. 171
[4] CARVALHO FILHO, 2011, p. 386.
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Na hipótese de assalto ou furto em um ônibus, eu atribuiria a responsabilidade ao Estado (por ser obrigado e responsável ao oferecimento da segurança pública de qualidade) e a Empresa (concessionária do serviço público) mediante a vinculação da relação de consumo (serviço de transporte), na qual, seguindo as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor e ao princípio da segurança o "fornecedor" (Empresa) responsabiliza-se pelas ocorrências em suas dependências (ônibus) durante a prestação do serviço.
Logo, chego a conclusão que a responsabilidade civil de reparação de danos é solidária e deve ser arcada tanto pela Empresa como pelo Estado. continuar lendo
Um dos fundamentos da responsabilidade civil é a previsibilidade. Em certas linhas a situação é endêmica - há assaltos sistemáticos e quase diários - a previsibilidade é altíssima. Por outro lado, se o ônus for atribuído às empresas de transporte, isso implicará em cálculos atuariais que, certamente, serão levados em conta para a elevação do preço da passagem - prejudicando todos os usuários do sistema de transporte - quiçá, por ingerência legislativa, se possa pensar em imposição de seguros obrigatórios - como se dá com o caso do DPVAT, mas isso igualmente elevaria o valor das passagens. Não é esse o fim social a que a lei se destina (artigo 5º LINDB), só para ficar no princípio da socialidade apontado por Miguel Reale, como um dos cânones do moderno direito civil. A melhor opção parece mesmo ser impor ao Estado o dever de indenizar nesses casos - Se uma mesma linha é assaltada frequentemente há falha grave (e a responsabilidade civil do Estado é objetiva) de segurança pública - a previsibilidade recomendaria que houvesse investigações que estancassem essas condutas, ou, ao menos, que houvesse o reforço de segurança em tais linhas. Se o Estado não começar a ser responsabilizado em tais situações, a população continuará à mercê desses fortuitos externos. continuar lendo
Concordo continuar lendo